terça-feira, 5 de abril de 2011

" Quanto mais exercício, melhor ?"

Especial
Quanto mais exercício melhor?
Não quando se passa dos limites. Quem malha pesado todos os dias e não sabe viver sem isso pode estar fazendo mal à própria saúde

PODEROSA RAINHA
"Gosto de ficar durinha", diz Gracyanne Barbosa, e prova: faz duas ou mais horas de treino pesadíssimo de segunda a sexta – "Se puder, domingos e feriados também". Empurra meia tonelada com as pernas. Para desfilar como rainha de bateria da Mangueira, ela diminuiu a massa muscular. Esta, portanto, é a Gracyanne light. Depois do Carnaval, volta a pegar pesado.



Os músculos do corpo humano funcionam como uma espécie de motor bioquímico. Quanto maior o esforço, mais consomem oxigênio e mais intensa é a eliminação de subprodutos das reações químicas provocadas pelo metabolismo, como o dióxido de carbono e o ácido láctico. A cada aceleração desse motor, as fibras musculares sofrem lesões microscópicas que, em reação ao trauma, se regeneram em forma mais resistente. São resultantes desse processo os músculos inchados dos saradões. A fonte de energia desse processo todo é uma substância chamada trifosfato de adenosina. Os estudiosos dos processos bioquímicos do organismo conhecem-na pela sigla ATP, mas os leigos podem chamá-la simplesmente de... Gracyanne Barbosa. A dançarina sul-mato-grossense de 25 anos que aparece na foto à direita é um prodígio de aumento muscular. Aos 15 anos, já media 1,75 metro, mas pesava apenas 45 quilos. Com dedicação incondicional aos exercícios, moldou o corpo e se transformou quase numa fisiculturista. Faz uma hora diária de exercícios aeróbicos pesados, mais três sessões semanais de musculatura de nível profissional: enfrenta quatro séries de oito agachamentos segurando uma barra de ferro de 180 quilos, anda 30 metros agachando-se a cada passo com 70 quilos nas costas, e no leg press, o aparelho para exercitar as coxas, empurra uma plataforma com meia tonelada.
Na imagem mental que faz de si mesma, porém, Gracyanne parece ainda ser a adolescente magrinha. Ela não vê a hora de passar o Carnaval para recuperar o peso habitual de 74 quilos, em boa parte de músculos poderosos – seu índice de gordura é de apenas 6%. Para desfilar como rainha da bateria da escola de samba Mangueira, a dançarina perdeu 6 quilos, numa espécie de concessão ao gosto popular. "Mulher musculosa não vende bem na avenida", diz seu treinador, Xande Negão. Gracyanne está na fronteira que separa a salutar e, no seu caso, espetacularmente bem-sucedida disciplina corporal do comportamento compulsivo, quando a rotina de exercícios vira um vício incontrolável. "Eu sei que o exagero é perigoso, que preciso de limites para não me machucar", diz. "Mas me acho viciada mesmo. Se tenho tempo, malho até aos domingos e feriados."
A turma dos malhadores pesados está em expansão. Para o paulista José Henrique Borghi, 42 anos, semana feliz é aquela em que o dia começa às 4h30 da manhã em cima de uma bicicleta, com ele pronto para percorrer 90 quilômetros de estrada, a distância entre São Paulo e Guarujá. No intervalo do almoço, ele dá seqüência com mais sessenta minutos de esforço na pista ou na piscina. Isso tudo é repetido durante seis dias, com transpiração extra no fim de semana, quando o tempo de dedicação chega a três horas consecutivas. Seu extenso currículo de atleta amador já soma dez provas de Ironman. Para os não iniciados, Ironman é a exaustiva competição em que homens e mulheres enfrentam uma seqüência ininterrupta de 3 800 metros de natação, 180 quilômetros de ciclismo e 42 de corrida. "Nos dois ou três meses que antecedem a prova, adoto uma rotina de atleta. É um treinamento vigorosíssimo. Viro um monge do esporte", descreve Borghi, que nas horas não vagas dirige uma renomada agência de publicidade. Nos outros nove meses do ano, ele desacelera o ritmo para uma hora e meia de bicicleta, mais uma hora de corrida todo dia, com eventuais mergulhos na piscina. Diz ele: "Quando fico sem exercício me sinto o último dos homens. É até constrangedor".
Para a preguiçosa maioria, calçar um par de tênis e caminhar até o parque mais próximo é sinônimo de sacrifício. Para uma minoria crescente, não é apenas questão de saúde ou de gosto. É necessidade imperativa, quase uma compulsão na qual se somam duas sensações poderosamente prazerosas – com a forma física alcançada e com o domínio da vontade sobre o corpo. São, em geral, pessoas perfeccionistas e competitivas, que estabelecem metas ambiciosas para si mesmas e as incorporam à sua rotina. "Faz parte da minha vida como comer e respirar. Não dá para ficar sem", diz a fisioterapeuta carioca Malu Guimarães. Aos 33 anos, ela pega pesado de segunda a sábado por quase duas horas. Quando viaja, só se hospeda em hotéis que têm sala de ginástica. "Passei um mês em São Francisco e me matriculei em uma academia de lá. De manhã meu namorado ia passear e eu ia malhar", conta. Substituir pela malhação atividades consideradas agradáveis pela maioria é um sinal comum aos viciados em exercícios. "Recentemente deixei de viajar com a família para Fortaleza porque não conseguiria ficar dez dias sem treinar", conforma-se o estudante mineiro Thiago César Moraes, 19 anos, pelo menos duas horas diárias na academia de seu condomínio, de segunda a sábado. "Musculação está em primeiro lugar na minha vida. É quase uma doença", diz Moraes, que em viagens curtas leva na mochila seu halter desmontável de 40 quilos. "Sei que o treino foi bom quando saio dolorido. Se não sinto nada depois, no dia seguinte me esforço em dobro."





Lailson Santos
VIVA O PERSONAL
Fátima: aos 48 anos, regime de malhação integral e zero de flacidez. "Quem me olha jura que tomo mais do que suplementos", diz. "Até já fiz exame de sangue para provar que não"


Da mesma forma que ceder às inclinações naturais do corpo pode levar a excessos ("Vou passar o fim de semana inteiro esparramado no sofá e as atividades físicas consistirão em clicar o controle remoto da TV e ingerir comidas bem calóricas"), não é preciso muito mais do que bom senso para perceber quando há exagero nos exercícios. Segundo um padrão internacional, quem não é atleta profissional e faz mais de seis horas semanais de atividades físicas puxadas já se enquadra entre os excessivos. Na rede de academias Reebok Sports Club, 32% dos alunos são considerados "hard users", quer dizer, freqüentam a academia mais de 100 vezes ao ano, ou em média três vezes por semana pelo menos. Há cinco anos o número era 30% menor. Um sinal evidente dos exageros se vê na multidão de maratonistas amadores – sem sentido metafórico, maratona quer dizer exatamente 42.195 metros – que competem nas ruas das grandes cidades. Treinador de corridas há quase quinze anos, Marcos Paulo Reis tinha no início da carreira 10% de seus então oitenta alunos adeptos da maratona. Hoje, eles chegam a quase 20% dos seus atuais 900 alunos. Seu colega treinador Mário Sérgio Andrade Silva, que orienta cerca de 1.000 esportistas inscritos na Run&Fun, conta que no começo seu maior desafio era estimular os preguiçosos. "Hoje é o contrário: temos mais trabalho segurando quem exagera do que dando duro em quem relaxa", compara. "Tem homem que começa a treinar aos 40 anos achando que vai voltar ao corpo dos 18, que pode ganhar dos outros da mesma idade e até dos mais novos, que seu tempo sempre pode ser mais baixo, que dá para fazer uma maratona por ano ou até mais. Alguns passam um mês sentindo dor antes de contar para o treinador."


Testar os limites do corpo, como sabem os profissionais, não tem nada de natural. A provação aumenta a propensão a contusões, contrações, luxações, fissuras e, sempre, dor. "É difícil 
QUANTO MAIS, MELHOR
A nutricionista Nathalia: musculação de segunda a sábado, mas nenhum exercício aeróbico, para não perder medidas. "Não conseguiria me divertir com a perna fina", diz
encontrar um atleta de elite que não tenha se machucado. Nós somos treinados para suportar a dor", constata o maratonista campeão Marilson dos Santos. "Mas quem faz esporte só por prazer não deveria sentir dor alguma." A questão, naturalmente, é que a dor é compensada por sensações positivas. "Comecei a treinar porque tinha muito glúteo, e braço e perna finos. Fiz balé, vôlei, handebol, e nada dava jeito, então parti para a musculação. Em pouco tempo comecei a ver resultado: meu braço tomando forma, meu abdômen formando gominho, meu ombro ficando ‘fibrado’. Fui pegando gosto. Minha mãe não entendia por que eu ia tanto, mas, depois de um certo tempo, duas vezes por semana não têm mais efeito nenhum", conta Renata Lopes, 27 anos, seis sessões semanais de malhação pesada. "Não vou para a academia perder tempo. Não vou lá para fazer fisioterapia. Faço a supersérie, que só termina com a fadiga total do músculo", descreve. Por fadiga total, entenda-se não conseguir levantar nem mais um alfinete. "Não me considero viciada, mas não vivo sem minha musculação", afirma Renata, criadora das comunidades no Orkut "Sou mulher e amo musculação" (17.370 membros), "Sou musculosa e feminina" (1.405 membros) e "Treino total" (2.140 membros).
A dona-de-casa carioca Fátima Gantus, de 48 anos, gasta entre 600 e 700 reais por mês com suplementos. Acompanha lançamentos, troca informações com seu personal trainer e com o dono da loja de que é cliente fiel. "Quem me olha jura que tomo mais do que suplementos. Já fiz exame de sangue para provar que não", defende-se Fátima, 1,61 metro de altura, 58 quilos e apenas 8% de gordura no corpo. Em um regime de duas horas e meia a três horas intensas na academia cinco vezes por semana, ela faz agachamentos com 100 quilos, 800 abdominais e exercícios para perna com até 240 quilos. Suas coxas parecem toras esculpidas em algum material extraterrestre. "Digo que 50% do meu corpo é meu, 50% é do meu personal", orgulha-se a ex-professora de educação física. Contornos de halterofilista podem não ter aprovação universal, mas para quem os busca não existe o conceito de músculos – nem de sacrifícios – em excesso: mais é sempre melhor.
Com o pé engessado e muletas, o paulistano Erik Aoki Biasetto, 31 anos, físico de super-herói de desenho animado, se esgueirava até a academia de madrugada para conseguir entrar e treinar escondido. "Meu pé estava ruim, mas o resto do corpo estava funcionando. Não tinha por que ficar parado", justifica. "Fico bastante ansioso quando estou machucado. Já faz seis meses que estou com um problema no joelho, mas dou minhas corridinhas, faço um pouco de bicicleta", confessa o administrador de empresas paulista Flavio Castanheira Junior, 40 anos, que contabiliza um tempo máximo sem exercício de quatro meses, em virtude de uma fascite plantar (inflamação no revestimento dos músculos da sola do pé, problema em evidente expansão). "Estava me preparando para uma maratona e demorei um mês e meio para procurar o médico. Acabei tendo de operar no início de 2006, mas em outubro já fiz uma prova", conta ele.

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